A medula óssea é o tecido responsável pela produção do sangue e está localizado no interior dos ossos. Este é composto por células brancas, vermelhas e plaquetas, além de outras células do arsenal imunológico contra as infecções (linfócitos, histiócitos, plasmócitos, macrófagos, etc).

A leucemia é o câncer das células da medula óssea. Sua origem é assunto ainda controverso. A exposição excessiva às irradiações do tipo raio X, os vazamentos observados em usinas nucleares ou as explosões atômicas  associam-se a claro aumento no risco de leucemias além de alguns outros tipos de câncer. Também a intoxicação por certos compostos químicos como o benzeno e alguns quimioterápicos aumentam o risco da leucemia. A explosão das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki em 1945, os acidentes em usinas nucleares como a de Chernobyl em 1982 confirmam que a exposição a radiação nuclear causa leucemia.

A estimativa para o Brasil é de virem a ocorrer 10.000 novos casos por ano.

Quando a medula é substituída por células cancerosas podem ocorrer sintomas causados pela falta da produção das células normais. A diminuição na produção de glóbulos vermelhos causa anemia, a falta de glóbulos brancos predispõe a infecções e a falta das plaquetas, sangramentos. Estes sintomas nas leucemias agudas ocorrem de maneira abrupta e precoce.

Nas leucemias crônicas, essa substituição da medula é tão lenta que os sintomas são mais discretos e muitas vezes nem sequer aparecem.

Qualquer célula da medula óssea pode vir a originar leucemia, mas as mais frequentes são os glóbulos brancos. Existem dois tipos de glóbulos brancos, os neutrófilos e os linfócitos. A doença originada dos neutrofilos, é a leucemia de mielóide; a dos linfócitos é a leucemia linfóide.

A leucemia linfóide aguda é mais frequente nas crianças e apresenta felizmente elevado índice de cura, com cerca de 80% de sucesso. A leucemia linfóide crônica é a mais frequente no adulto e tem uma evolução favorável, ainda que a cura definitiva seja rara.

Quando a suspeita de leucemia existe, é realizado o exame da medula óssea, o mielograma ou a biópsia da medula através dos quais avaliamos a suas células. Junto com esse material é coletado também amostra para imunofenotipagem, que diferencia os diversos tipos de leucemia. Além deste exame, é coletado também o cariótipo, que serve para avaliar mutações no DNA ou nos cromossomos o que ajuda a classificar a leucemia e entender muitos fatores prognósticos.

Depois de concluído o diagnóstico, a leucemia aguda é tratada com quimioterapia em regime de internação hospitalar. A quimioterapia é muito eficiente em reduzir o número de células leucêmicas, mas apresenta muitos efeitos tóxicos exigindo grande treinamento e habilidade das equipes que dão assistência ao paciente. Esse tratamento mais forte e curto, conhecido por quimioterapia de indução é seguido por duas fases mais brandas chamadas de consolidação e manutenção que podem perdurar muitos meses.

Algumas formas de leucemias crônicas podem antecipar curso tão suave que o tratamento imediato pode ser postergado por longos períodos de tempo.

A quimioterapia clássica que utiliza medicações antiproliferativas tradicionais no tratamento das leucemias e outros tipos de câncer apresenta forte toxicidade e é a pedra angular nos tratamentos das leucemias agudas.

Uma nova classe de medicações específicas tem sido colocada à disposição dos pacientes com leucemias e apresenta baixa toxicidade por serem inibidores específicos de mutações, ou de proteínas anômalas responsáveis pelo aparecimento ou pela evolução da leucemia ou outras formas de câncer.

Por exemplo, o imatinib bloqueia especificamente um produto da mutação do DNA (bcr-abl) que é a causa da evolução da leucemia mieloide crônica tendo revolucionado o tratamento desta doença.

O alentuzomab e o rituximab, por suas vezes são outros inibidores de duas proteínas exageradamente presentes na célula da leucemia linfóide crônica e de outros cânceres linfáticos, respectivamente CD52 e CD20, que impede a evolução dessas doenças.

O ácido transretinóico (ATRA) revolucionou o tratamento de uma forma rara de leucemia chamada promielocitica aguda. O ATRA impede o rompimento fatal dos grânulos presentes em suas células doentes e permite subsequente ação curativa pela quimioterapia. Antes da era ATRA os pacientes faleciam da intoxicação provocada pelo rompimento dos grânulos antes mesmo de qualquer tratamento poder ser usado.

Atualmente existem marcadores moleculares de prognóstico, como o FLT3 e o NPM1 na leucemia mielóide aguda e a deleção do cromossomo 17p na leucemia linfóide crônica, que definem a necessidade de tratamentos mais ou menos agressivos, como por exemplo, a indicação de transplante de medula óssea.

O transplante de medula nas leucemias é um tratamento vigoroso e tóxico e por isso é aplicado a pacientes mais jovens e com fatores prognósticos que tornam o caso de alto risco além de poder ser usado em pacientes que foram resistentes ao primeiro tratamento. É uma quimioterapia tão forte e dada em dose tão elevada que pode eliminar a leucemia, mas causaria a morte do paciente não recebesse este a medula óssea sadia doada por alguém compatível, frequentemente irmãos.

O tratamento da leucemia, doença outrora uniformemente associada a morte configura um exemplo emblemático do grande progresso aplicado a partir do acúmulo de novos conhecimentos que a medicina moderna adquiriu em quase todas as áreas da biologia e ciências afins, não sendo de se estranhar que tenha atingido tão elevado índice de sucesso.

Autor: Fernanda de Oliveira Santos, Artur Malzyner

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